Não sei o que houve, mas de uns tempos pra cá o meu celular parece que se esqueceu de mim.
Durante muito tempo ele me chamava o dia inteiro. Tocava, vibrava, piscava. Era recado, aviso de reunião, alerta de vacina, cobrança do banco, propaganda de loja, parabéns de alguém que mal me conhecia.
Agora, nada.
Fica ali, mudo e quieto, como um gato enfastiado que já não precisa de carinho. De vez em quando acendo a tela pra ver se está vivo. Está. Só não tem nada a me dizer.
Nos primeiros dias, confesso, achei estranho. Seria falha no sinal? Defeito no aparelho? Alguém teria me bloqueado? Reiniciei, atualizei, troquei de tomada. Nada. Continuou em seu silêncio respeitoso.
Foi aí que me dei conta: o mundo já não me procura com tanta urgência. Os compromissos diminuíram, as cobranças cessaram, os convites rarearam. As pessoas se acostumaram à minha ausência — e, talvez, eu à delas.
Senti um vazio, mas logo passou. O silêncio virou descanso. Passei a escutar outros sons: o canto do passarinho na varanda, o vento na jabuticabeira, a chaleira do café. Nada vibrava, mas tudo me tocava.
Hoje, olho pro celular com um certo carinho. Ele já me deu alegrias e aborrecimentos. Agora, me dá paz.
Se um dia voltar a tocar sem parar, talvez eu nem atenda. Vai ver, é só o mundo querendo me lembrar de que ainda estou aqui.
Mas, por enquanto, que bom é ser esquecido por um celular — e lembrado pela vida.
Gabriel Novis Neves
31-07-2025