O pano esquecido, endurecido de sol, testemunha as ausências e pequenas distrações da vida.
Somos eternos distraídos nesta vida que passa tão rápida!
O pano esquecido no varal é o de menos para quem já viu pai esquecer filho no aeroporto de Cuiabá.
E o pai era um sociólogo, professor da Universidade Federal de Mato Grosso.
Pensador dos mais elogiados, era distraído ao cúmulo de deixar a porta da rua de sua casa aberta por ocasião de suas viagens.
Esquecia-se de pagar as contas e estava sempre mudando de endereço — e até de cidade.
Chegou a morar com a família na Bolívia, enquanto a mulher vivia em Moscou.
Essa característica o acompanhou por toda a vida.
Fui o médico parteiro de sua mulher e, no dia do batizado da filha, com o padre Adalberto, jesuíta, ao meio-dia de um sábado, na igreja de São Benedito, com as portas fechadas, descobrimos que, por distração ele havia esquecido de se casar.
Para realizar o batizado, o jesuíta propôs o casamento religioso ali mesmo.
Eu e minha mulher fomos as testemunhas.
Após o casamento, a criança foi batizada sendo nós dois como padrinhos.
Vejam o que pequenas distrações podem causar em nossas vidas!
O significado do pano esquecido no varal, desaparece diante de esquecimentos mais robustos, que fazem parte da condição humana.
Quantos esquecimentos nos desviaram de rotas, para o bem ou para o mal.
Encontros não programados, outros com horários trocados, acabaram dando certo.
O paninho esquecido no varal, endurecido pelo sol, talvez nos faça lembrar das mangas maduras colhidas no pé e esquecidas no sol, se estragando.
Na vida, sempre penso pelos dois lados diante de situações como esta.
Em certas ocasiões é até bom ser distraído: ignoramos muitas coisas que não nos convém.
E o pano esquecido no varal, endurecido pelo sol, serve apenas para testemunhar a nossa distração.
Gabriel Novis Neves
21-11-2025